Em 1990 fui matriculado no curso de Formação de Professores da Escola Estadual Benta Pereira, na cidade de Campos dos Goytacazes. A expectativa da professora Maria Ilma, minha mãe e era de que eu pelo menos concluísse o Ensino Médio. Imerso no mundo da música, estudar não era uma prioridade.
Por influência das aulas de História da professora Rosângela e pelo contato com todos os tipos de carência das crianças que encontrei nos estágios da formação, meu sonho musical foi substituído pelo desejo de transformar a sociedade através da educação escolar. Ao longo desses 30 anos de Magistério, mesmo após o pragmatismo da formação universitária, das limitações provocadas pelo descaso com o qual o poder público lida com os profissionais da Educação e do pessimismo veterano com o qual fui recebido em diversas salas dos professores, eu continuo acreditando no poder transformador da escola. Talvez por ter a escola, transformado a minha vida é que eu aceite de bom grado a pecha de ingênuo por continuar a afirmar que considero o magistério um lugar para missionários. Tal concepção não inviabiliza o caráter profissional do magistério, que precisa e merece ser respeitado. Pelo contrário, agrega valor pelo caráter especial que adquire o profissional da educação que traz consigo a vocação para transformar.
Assim como o artífice que aprende os rudimentos de um determinado ofício e que se torna apto a exercê-lo, pode transcender a sua prática e fazer arte ao imprimir sobre a matéria-prima, muito mais do que a técnica aprendida. Não foram poucas as situações nas quais me senti inapropriado e até mesmo ensandecido por esta certeza. Com essa sensação, veio também o receio de que as minhas ideias sejam mal interpretadas. Não há neste livro uma linha sequer na qual tal receio não esteja presente, não só pela delicadeza do tema, mas também pela impossibilidade de esgotá-lo tendo tão pouco conhecimento diante da imensidão teórica que faz da educação um inesgotável objeto de estudo.
Há alguns anos fui tocado pela desesperança que ronda as escolas. A incapacidade da escola em lidar com os conflitos sociais mais cotidianos me afetou profundamente e após 13 anos de exercício na Rede Pública Estadual do Rio de Janeiro pedi exoneração. Pretendia repetir a atitude em outros vínculos para me afastar definitivamente do Magistério. A enfermidade que me acometeu possui sintomas contundentes como mávontade, falta de ânimo, acomodação, inapetência pelo estudo, resistência ao novo, etc. Tal estado de enfermidade impede que utilizemos a razão e tomados pela angústia que, tal qual um véu nos entorpece os sentidos, passamos a identificar os governantes, os alunos, a comunidade e as chefias imediatas como nossos algozes.
Se o Tom Jobim certa vez afirmou que o Brasil não é para principiantes, não me incomodo em arriscar que a educação brasileira não é para os fracos. Quem conhece a escola pública sabe muito bem disso. Existe a ausência da família, o descaso do governo, a pressão pelos resultados, os baixos salários, enfim, todas as formas de carências e de violências, que cotidianamente afastam profissionais promissores do exercício do magistério.
Em 2009 recebi o convite para ser professor formador para professores na Rede Municipal de Educação de Armação dos Búzios e me senti desafiado. O desafio era pensar a educação, estudar para ministrar formações para colegas da área de História e ao mesmo tempo ser um professor que ainda estava em sala de aula.
Todos os professores deveriam se afastar da sala de aula por um determinado período da sua vida profissional. Essa experiência permite o exercício da relativização, possibilitando ver pelos olhos do outro. Um passeio pela gestão ou por uma função na área pedagógica pode ser enriquecedor e muito útil para que possamos desmistificar algumas ideias carregadas de preconceitos com colegas que atuam em outras funções. Ao nos colocarmos no lugar do outro podemos refletir, por exemplo, sobre a tendência maniqueísta de dividirmos tudo em dois polos: o bem e o mal. Por esta visão infantil, que remete a humanidade aos primórdios da sua existência, todos os que estão na escola representam o bem e os colegas que temporariamente servem à educação nas secretarias, são a personificação do mal. Essa separação, mesmo quando velada e muitas vezes motivada por frustrações pessoais ou políticas, em nada contribui para a já combalida saúde escolar.
O exercício de refletir a minha prática e de poder pensar a educação por outro ângulo foi revigorante. Durante os estudos conheci a Teoria da Aprendizagem Significativa, concebida pelo psicólogo estadunidense David Ausubel e me interessei pelos seus pressupostos. A teoria e as ideias dos teóricos que ela influenciou me ajudaram a compreender que o conteúdo, a aula e a escola precisam ter significado para alunos e para professores. No entanto, não se deve considerar aqui, que uma teoria seja a cura ou salvação para qualquer enfermidade funcional. O antídoto para a enfermidade que acomete a educação está na própria escola e passa pela reflexão dela por si mesma, ou seja, por aqueles que a compõem.
Em 2017 publiquei o meu segundo livro ” Professor- A Ressignificação do Fazer Escolar”, que é uma compilação de considerações nascidas das minhas indagações e da inconformidade com o menosprezo com a qual a escola se vê e é vista. Ao mesmo tempo é uma reafirmação da fé que tenho no papel do professor enquanto agente de transformação social. Nesta nova realidade pós-moderna, que nos saúda no alvorecer do terceiro milênio, ainda é a escola a única instituição capaz de pensar a sociedade e sobre ela atuar motivando os alunos a se tornarem agentes de transformação de suas próprias vidas e a reboque, da sociedade.
Por fim, pela importância e pela diferença que a escola fez na minha vida, entre a visão do professor sacerdote consciente e a do professor profissional árido e envolto em uma pretensa neutralidade, fico com a perspectiva do primeiro, como sendo o agente necessário para promover a ressignificação que analisei na obra.
Agora, com a criação deste site, buscarei tornar mais cotidiana as reflexões sobre a Educação, sobre a História e sobre os caminhos que todos nós podemos trilhar em direção a nossa evolução enquanto sociedade. Que bom que vocês estão aqui.
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