O fortalecimento da extrema direita e o caminho da resistência

É triste, profundamente triste, observar um povo que possui uma Constituição tão avançada e inclusiva como a nossa votar em candidatos da extrema direita, que frequentemente desrespeitam ou ignoram os princípios fundamentais ali estabelecidos. Sempre que vejo isso acontecer, sinto a necessidade de encontrar uma maneira clara e didática de explicar que todos os direitos conquistados por homens e mulheres estão diretamente ligados ao tipo de pessoas que elegemos para fazer e aplicar as leis.

O artigo 3 ° da Constituição Federal é um exemplo perfeito dessas conquistas. Ali estão estabelecidos objetivos que deveriam guiar todas as ações de nossos governantes: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos ou discriminações.

 

Mas como alcançamos esses objetivos quando elegemos representantes que agem contra eles? Por exemplo, como construir uma sociedade justa e solidária se nossos líderes perpetuam discursos de ódio, estimulam preconceitos ou cortam investimentos em áreas como saúde, educação e habitação? Como erradicar a pobreza se as políticas públicas priorizam apenas os mais ricos, ignorando os milhões que vivem na linha da miséria?

 

Paulo Freire dizia que “educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.” E isso se aplica à política. Eleger alguém é um ato de responsabilidade, porque essas pessoas decidem os rumos da sociedade. Se escolhemos líderes que não respeitam os princípios constitucionais, estamos, de certa forma, abrindo mão de direitos e conquistas duramente obtidos.

 

Veja, por exemplo, a questão da igualdade de gênero. O artigo 3º fala sobre promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação. Isso inclui a luta pelas mulheres, que ainda enfrentam salários menores, violência doméstica e pouca representação política. Como isso pode melhorar se elegemos líderes que desprezam essas pautas ou as tratam com descaso?

 

Meu objetivo aqui não é julgar ninguém, mas sim provocar uma reflexão. Precisamos entender que nossos direitos — o direito à educação de qualidade, à saúde digna, à segurança e até à igualdade — dependem das escolhas que fazemos na urna. Não adianta termos uma Constituição tão rica se não cobramos dos nossos representantes o compromisso com esses princípios.

 

Lembremos das palavras de Florestan Fernandes: “O direito é o fio condutor da liberdade em uma sociedade democrática.” Se queremos um país mais justo e menos desigual, precisamos aprender a votar em quem realmente respeita e luta por esses direitos. Porque, no fim, o poder das leis e da democracia está em nossas mãos.

 

Como professor, observo com preocupação que o fortalecimento da extrema direita no Brasil está diretamente relacionado ao enfraquecimento da escola e ao distanciamento dos professores da sua capacidade de educar para a cidadania. A educação é, antes de tudo, um espaço de construção do pensamento crítico, onde os alunos devem aprender a questionar, refletir e entender seu papel na sociedade. Mas quando a escola é desvalorizada, os professores são deslegitimados e a formação cidadã é deixada de lado, abrimos espaço para a proliferação de discursos autoritários e simplistas, que encontram terreno fértil na desinformação.

Nos últimos anos, vimos um ataque sistemático ao trabalho docente. Falar sobre direitos humanos, igualdade e diversidade dentro da sala de aula foi demonizado sob o rótulo de “doutrinação ideológica”. Essa estratégia não é inocente; ela tem como objetivo enfraquecer o papel do professor enquanto formador de cidadãos conscientes e comprometidos com os valores democráticos. Afinal, uma população crítica e bem informada é a maior ameaça para qualquer projeto de poder autoritário.

E é justamente nesse vácuo deixado pela escola que as igrejas — especialmente aquelas alinhadas a projetos políticos de extrema direita — têm se posicionado como grandes formadoras de opinião. Não estou falando da fé em si, que é legítima e importante para muitas pessoas, mas do uso político e manipulador de discursos moralizantes. Políticos de extrema direita se apropriam da religião para propagar uma visão limitada de moralidade, desviando a atenção das questões sociais e estruturais que realmente impactam a vida da população.

Ao invés de discutir desigualdade, pobreza ou falta de acesso a direitos básicos, o foco é colocado em pautas como o combate ao “marxismo cultural”, à “ideologia de gênero” e outras invenções que nada têm a ver com os reais problemas da sociedade. Isso desmobiliza as lutas sociais ao transformar debates legítimos em batalhas morais vazias. É como se o discurso religioso fosse utilizado como cortina de fumaça, enquanto questões como a concentração de renda e a precarização do trabalho permanecem intocadas.

Como educador, sinto que o caminho para reverter essa tendência passa por resgatar o papel da escola como espaço de cidadania. Precisamos defender a formação crítica, ensinar sobre a Constituição e seus valores, e empoderar nossos alunos para que enxerguem além do discurso simplista da moralidade. Só assim poderemos construir uma sociedade mais justa e menos suscetível às armadilhas do autoritarismo travestido de virtude.

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