A Educação Escolar na Pós-modernidade

Educação escolar na pós-modernidade

O século XX vivenciou um vertiginoso avanço tecnológico e os progressos científicos alcançados no breve século nas palavras de Eric Hobsbawm (1994), mudaram as relações sociais, culturais e econômicas, diminuindo as distâncias geográficas e criando uma nova forma de perceber o mundo, transformando de forma contundente a nossa percepção de tempo e espaço. Diante de tantas transformações e suas dimensões, não seria nenhum exagero afirmar que um historiador do futuro ao estudar nossos tempos, chegará à conclusão que a humanidade encontrava-se vivendo o limiar de uma nova era.
No que diz respeito à economia, o efeito desse conjunto de transformações globais consistiu na otimização das transações tecnológicas, sobretudo nos meios de comunicação, criando um mercado mundial unificado e acessível. Por outro lado, tal processo contribuiu para aprofundar as desigualdades ao globalizar também o modelo neoliberal, que vem se consolidando desde a década de 80 e cujo efeito notório é a imposição do estado mínimo . Este, paulatinamente tem se alijado das suas responsabilidades sociais, ao abrir mão do poder de regulação do estado sobre a economia e ao transferir para o setor privado tal prerrogativa.
Em relação aos impactos culturais, as transformações se fizeram sentir a partir do advento do que os pensadores da pós-modernidade chamam de descentramentos identitários. A ideia de identidade cultural local tem sido colocada de lado, juntamente com as tradições e costumes, para assim dar espaço a uma identidade global, na qual a massificação propõe um novo modelo comportamental impregnado de um novo hibridismo cultural. Na sociedade pós-moderna, as tradições estão perdendo a sua razão de ser na trama cultural das sociedades, desmotivando e desmobilizando os agentes outrora responsáveis pela perpetuação dos elementos culturais que a caracterizavam.
No aspecto político, ao menos no que aqui interessa, os efeitos da globalização podem ser identificados na mobilização e na autodeterminação das minorias. A antiga luta de classes tem dividido seu espaço com as pautas dos movimentos sociais negros, LGBT, sindicais, etc. A ordem mundial já não é mais bipolar, assim como as diferenças, conflitos e antagonismos sociais também já não o são.
Neste contexto, no qual as sociedades se caracterizam pela constante transformação, as escolas, encontram-se vivendo uma crise institucional e identitária. Institucional pelo modo falho com o qual tem desempenhado a sua função social e identitária pela substituição dos seus usos por parte da comunidade. Como elementos coadjuvantes na construção do saber, os professores acabam por experimentar essa falta de significado na prática pedagógica, seja no que diz respeito ao currículo distanciado da realidade do aluno ou pela defasagem técnico-metodológica da prática cotidiana.
Na disputa pela atenção e afeição do aluno, a escola tem perdido espaço para os sedutores apelos da pósmodernidade. Nesse estágio de evolução capitalista, a tecnologia se afirma de forma hegemônica como grande mediadora das relações socioculturais, alterando-as e oferecendo uma nova realidade aos sujeitos sociais.
Em “Pós-modernidade e Sociedade de Consumo” (1985), Fredric Jameson utiliza uma desconcertante analogia para explicar o modo como se apresenta a pósmodernidade no que diz respeito à temporalidade, à memória e à identidade. Para ele, assim como acontece com o esquizofrênico na sua relação com a disfunção da linguagem , a pós-modernidade é a “Era” na qual os se vive de sucessivos presentes descontínuos, de forma muita intensa e sem qualquer traço permanente de identidade.
[…] O esquizofrênico não consegue, desse modo, reconhecer sua identidade pessoal no referido sentido, visto que o sentimento de identidade depende de nossa sensação da persistência do “eu” e de “mim” através do tempo.
Por outro lado, o esquizofrênico vivencia mais do que nós, e com nitidez, Yuma experiência muito mais intensa de um determinado instante do mundo, pois nosso próprio presente é sempre parte de algum conjunto mais amplo de projetos, o que nos obriga a focalizar e a selecionar nossas percepções. Em outras palavras, não receptamos o mundo exterior globalmente como uma visão indiferenciada: estamos sempre empenhados em utilizálo, sempre enveredamos por ele, sempre atentamos neste ou naquele objeto ou pessoa que nele está localizado. Contudo, o esquizofrênico não só é “ninguém” por não ter uma identidade pessoal, como seu desempenho é nulo, pois ter projeto significa estar apto a se envolver com alguma continuidade futura. O esquizofrênico está sujeito desse modo a uma visão indiferenciada do mundo no presente, uma experiência que não é de modo algum agradável.
(JAMESON,1985,p.22).
A quantidade de informação e a velocidade com a qual as mesmas circulam, promovem o descentramento do saber, pulverizando as atribuições que outrora pertenciam às escolas. Para que a escola possa se adequar ao processo de mudanças pelo qual as sociedades contemporâneas atravessam é preciso que os profissionais da Educação se reconheçam como agentes históricos capazes de se adaptar, promover e compreender o processo de transformação da informação em conhecimento.
Como atesta Izabel Alarcão em seu livro “Escola Reflexiva e Nova Racionalidade” (2001), a escola precisa romper com os antigos modelos e conceitos, caso contrário continuará a aprofundar a sua já perceptível incompatibilidade com as exigências das sociedades contemporâneas. Para a autora, há urgência em mudá-la nos currículos, na organização disciplinar, pedagógica e organizacional. Tal mudança, no entanto, não poderá acontecer sem que a escola se aproprie da tarefa de pensar sobre si mesma, sobre o seu papel social e sobre a sua reação frente aos conflitos no qual está inserida.
De acordo com Shigunov Neto e Maciel (2002), para que a escola possa acompanhar as mudanças das sociedades atuais, faz-se necessário que os seus profissionais tornem-se reflexivos, investigadores e que se conceba sempre em estado de formação. Muitas vezes a sensação de frustração que se abate sobre a escola tem origem na impossibilidade do professor de vislumbrar uma solução para as dificuldades que encontra pelo caminho do seu fazer pedagógico. Oferecer a esse professor uma oportunidade de reflexão, bem como novas possibilidades teórico-metodológicas são, no mínimo, uma imposição desse contexto sociocultural que hora vivemos.
O Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional Sobre a Educação no Século XXI (1996), manifesta a preocupação com a superação das tensões provocadas pelas transformações ocorridas no planeta e o esforço pela ressignificação do fazer escolar não pode ignorar estes desafios, a saber:

A tensão entre o global e o local: tornar-se, aos poucos, cidadão do mundo sem perder suas raízes pela participação ativa na vida do seu país e das comunidades de base. A tensão entre o universal e o singular: a globalização da cultura realiza-se de forma progressiva, mas ainda parcialmente. De fato, ela é incontornável com suas promessas e com seus riscos: um dos mais graves é, exatamente, o esquecimento do caráter único de cada pessoa, de sua vocação para decidir seu destino e realizar todas as suas potencialidades, conservando a riqueza de suas tradições e de sua própria cultura que, se não forem tomadas as devidas providências, corre o risco de desaparecer sob a influência das mudanças em curso. A tensão entre a tradição e modernidade está relacionada com a mesma problemática: adaptar-se sem se negar a si mesmo, construir sua autonomia em dialética com a liberdade e a evolução do outro, além de manter sobcontrole o progresso científico. Com este espírito é que se deve enfrentar o desafio instigante das novas tecnologias da informação. A tensão entre o longo prazo e o curto prazo, tensão permanente, mas alimentada hoje pela supremacia do efêmero e do instantâneo, em um contexto em que o excesso de informações e de emoções passageiras leva a uma constante concentração nos problemas imediatos. As diferentes propostas procuram respostas e soluções rápidas quando, afinal, um grande número de problemas exigem uma estratégia respaldada na paciência.

Reconhecer a incompatibilidade da escola com a atual configuração sociocultural da sociedade é o primeiro passo para que possamos acertar o ritmo, assimilando o novo a partir da identificação dos pontos a serem sincronizados. No entanto, identificar os sintomas, não significa curar a doença. Os desafios que se colocam diante da escola são gigantescos, pois não se trata de resolver apenas problemas infraestruturais, mas sim de promover uma transformação no campo das ideias, onde se assentam as superestruturas. É nesse espaço que acontecem as batalhas provocadas pelas tensões entre as identidades ressignificadas e as instituições formais.

CARVALHO, Rogério. Professor: a ressignificação do fazer escolar. 1. ed. Cabo Frio: CR Publicações, 2016. 103 p.

 

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